Saturday, February 28, 2009

Arte e Televisão

Por: Magnólia Costa

O aparelho de televisão é uma invenção européia dos anos 1920. A televisão como rede transmissora de programas é uma invenção norte-americana do final dos anos 1940. A massificação desse meio de comunicação e seu uso como ferramenta de indução ao consumo é um fenômeno mundial que começou nos anos 1950 e continua até hoje. Apesar de ter uma história tão recente, a influência da televisão é descomunal. Como a TV pôde vencer as diferenças e se impor em todas as sociedades? Como ela se relaciona com a diversidade cultural e a pluralidade de manifestações artísticas?

As relações entre arte e TV talvez sejam tão numerosas quanto os canais disponíveis hoje em dia. Uma relação possível é a de referência, a televisão buscando referência na arte. Afinal, a TV e as artes visuais têm algo em comum: lidam com imagens.

A comunicação por meio de imagens aproxima a TV da pintura, a maneira mais antiga de mostrar a realidade. Aproxima-a também da fotografia, a primeira forma de mostrá-la por meio de um aparelho, e do cinema, que deu às imagens ilusão de movimento, sons e cores, tornando-as cada vez mais semelhantes à realidade.

A afinidade com essas formas de expressão coexiste, na TV, com a necessidade do novo, uma necessidade que nunca se satisfaz. O novo é uma exigência permanente do espectador, que tem todas as idades, todos os interesses e pertence a todos os extratos e grupos sociais. A TV é um manancial aparentemente inesgotável de informações e entretenimento. Vale tudo para garantir a audiência, inclusive recorrer a imagens de obras de arte consagradas e mostrar ambientes inspirados em construções famosas.

A TV mantém com a arte uma relação de apropriação. Aliás, esta é a principal relação que a TV mantém com a realidade: apossa-se dela para editá-la e transformá-la, muitas vezes apresentando-a como a realidade, a verdade. Apropriar-se da realidade é o primeiro passo para criá-la, daí o seu poder crescente em todas as culturas do mundo.

As relações que a arte mantém com a TV são mais variadas, talvez porque suas relações com a realidade vão muito além da apropriação e, por isso, sejam praticamente infinitas. A TV vem se difundindo no mundo desde os anos 1950, momento em que a arte ampliou muito as suas formas de contato com a realidade. A arte adotou recursos e procedimentos característicos das sociedades massificadas, inclusive os da televisão. A chamada arte pop incorporou técnicas como a repetição de anúncios comerciais, a saturação de imagens, do aqui-e-agora.

No início dos anos 1960, principalmente nos Estados Unidos, a arte pop explorou exaustivamente as imagens que estimulavam o consumo de qualquer coisa que estivesse à venda: bens industrializados, notícias, estilos de vida. A TV forneceu imagens e idéias a muita gente, mas a relação dos artistas com ela não se limitou aos seus produtos: estendeu-se o aparelho de televisão e seus recursos. Houve quem entendesse a TV como uma ferramenta poderosa.

Em meados dos anos 1960, o artista coreano Nam June Paik (1936-2006) fez os primeiros experimentos com televisão. A instalação TV-Magnet é um marco na videoarte e foi realizada com vários aparelhos de TV que mostravam imagens distorcidas por ímãs dispostos ao seu redor. Com o aprimoramento da tecnologia da TV e do vídeo, Nam June Paik pôde produzir trabalhos que discutiam de maneira única a relação realidade-representação, como Video fish, de 1975, onde um aparelho de TV é colocado diante de um aquário com peixes e exibe um vídeo desse mesmo aquário.

No Brasil, o coletivo carioca Chelpa Ferro também explora as possibilidades da televisão na arte. A instalação On-off poltergeist, de 2007, traz cinco aparelhos de TV antigos, quase obsoletos, dispostos em círculo sobre caixotes de frutas. Os televisores estão sintonizados em canais diferentes da TV aberta e o áudio é dissociado da imagem, sendo reproduzido por caixas distantes dos aparelhos. Os sentidos do espectador são confundidos, sua relação com a TV e o que é televisionado é perturbada. E a cultura contemporânea é enriquecida por mais uma possibilidade da arte.



Magnólia Costa: Magnólia Costa é doutora em Filosofia pela USP, professora de história da arte e coordenadora editorial do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Texto retirado do Portal SescSp link: http://www.sesctv.org.br/revista.cfm?materia_id=46